Muitos professores acreditarem que as dificuldades apresentadas por seus alunos em ler e interpretar um problema ou exercício de matemática estão associadas a pouca competência que eles têm para leitura. Também é comum a concepção de que, se o aluno tivesse mais fluência na leitura nas aulas de língua materna, consequentemente ele seria um melhor leitor nas aulas de matemática.

Embora tais afirmações estejam em parte corretas, pois ler é um dos principais caminhos para ampliarmos nossa aprendizagem em qualquer área do conhecimento, consideramos que não basta atribuir as dificuldades dos alunos em ler problemas a sua pouca habilidade em ler nas aulas de português. A dificuldade que os alunos encontram em ler e compreender textos de problemas estão, entre outras coisas, ligadas à ausência de um trabalho pedagógico específico com o texto do problema, nas aulas de matemática.

O estilo nos quais geralmente os problemas de matemática são escritos, a falta de compreensão de um conceito envolvido no problema, o uso de termos específicos da matemática e que, portanto, não fazem parte do cotidiano do aluno, e mesmo palavras que têm significados diferentes na matemática e fora dela – total, diferença, ímpar, média, volume, produto – podem se constituir em obstáculos para que a compreensão ocorra. Para que tais dificuldades sejam superadas, ou mesmo para que elas não surjam,  é preciso alguns cuidados com a proposição dos problemas desde o início da escolarização até o final do Ensino Médio.

Cuidados com a leitura que o professor elabora o problema, cuidados em propor tarefas específicas de interpretação do texto dos exercícios caracterizam um conjunto de intervenções didáticas destinadas exclusivamente a levar os alunos a lerem problemas de matemática com autonomia e compreensão. Neste artigo, pretendemos indicar algumas intervenções que temos utilizado em nossas ações junto a alunos e professores e que têm auxiliado a tornar os estudantes melhores leitores de problemas.

A Leitura dos Problemas com Alunos no Início da Alfabetização

Quando os alunos ainda não são leitores, o professor lê todos os problemas para eles e, como leitor, auxilia os alunos , garantindo que todos compreendam, cuidando para não enfatizar palavras chave e usar qualquer recurso que os impeça de buscar a solução por si mesmos. Mas há outros recursos dos quais o professor pode se valer para explorar a alfabetização e a matemática enquanto trabalha com problemas.

Um deles é escrever uma cópia do problema no quadro e fazer com os alunos uma leitura cuidadosa. Primeiro do problema todo, para que eles tenham ideia geral da situação; depois mais vagarosamente, para que percebam as palavras do texto, suas grafias e seus significados.

Propor o problema escrito e fazer questionamentos orais com a classe, como é comum que se faça durante a discussão de um texto, auxilia o trabalho inicial com problemas escritos:

  • Quem pode me contar o problema novamente?
  • Há alguma palavra nova ou desconhecida?
  • Do que trata o problema?
  • Qual é a pergunta?

Novamente o cuidado é para não resolver o problema pelos alunos durante a discussão e, também, não tornar o recurso uma regra ou conjunto de passos obrigatórios que representem um roteiro de resolução. Se providenciar para cada aluno uma folha com o problema escrito, o professor pode ainda:

Pedir aos alunos que encontrem e circulem determinadas palavras;

  • Escrever na lousa o texto do problema sem algumas palavras;
  • Pedir para os alunos em duplas olharem seus textos, que devem ser completos, e descobrirem as palavras que faltam.

Conforme as palavras são descobertas, os alunos são convidados a ir ao quadro e completar os espaços com os termos ausentes. Em todos os casos, o professor pode escolher trabalhar com palavras e frases que sejam significativas para os alunos ou que precisem ser discutidas com a classe, inclusive aquelas que se relacionam com noções matemáticas. Os problemas são resolvidos após toda a discussão sobre o texto, que a essa altura já terá sido interpretado e compreendido pela turma, uma vez que as atividades que sugerimos contemplam leitura, escrita e interpretação simultaneamente.

Ampliando Possibilidades para os Leitores

Para os alunos do Ensino Fundamental e Médio que já lêem com mais fluência textos diversos, o professor pode propor outras atividades envolvendo textos de problemas. A primeira delas, sem dúvida, é deixar que eles façam sozinhos a leitura das situações propostas.

A leitura individual ou em dupla auxilia os alunos a buscarem um sentido para o texto. Na ocasião,  o professor pode indicar que cada leitor tente descobrir sobre o que o problema fala, qual é a pergunta, se há palavras desconhecidas .Aí, então, é possível conduzir um debate com toda a classe para socializar as leituras, dúvidas, compreensões. Novamente não se trata de resolver o problema oralmente, mas de garantir meios para que todos os alunos possam iniciar a resolução do problema sem, pelo menos, ter dúvidas quanto ao significado das palavras que nele aparecem. Assim, se houver um dado do problema, um termo que seja indispensável e que os alunos não conheçam ou não saibam ler, principalmente no início do ano, o professor deve revelar seu significado, proceder à leitura correta. Esse processo para quando os alunos entendem o contexto dos problemas.

Nesse processo é possível, ainda, que o professor proponha aos alunos o registro, no caderno ou em um dicionário, das palavras novas que aprenderam, ou mesmo daquelas sobre as quais tinham dúvida para que possam consultar quando necessário. Em relação àqueles termos que tenham significados diferentes em matemática e no uso cotidiano, o ideal é que sejam registrados no caderno dos alunos com ambos os significados, podendo inclusive escrever frases que ilustrem os dois sentidos. Vejamos outras estratégias:

  • Apresentar aos alunos problemas com falta ou excesso de dados para que eles analisem a necessidade ou não de informações no texto;
  • Apresentar aos alunos o texto de um problema no qual falte uma frase ou a pergunta, deixar que eles tentem resolver e completar o que falta para o problema ser resolvido;
  • Apresentar um problema com frases em ordem invertida e pedir que os alunos reorganizem o texto;
  • Pedir que os alunos elaborem problemas com palavras que apresentam sentidos diferentes quando utilizadas na matemática e no cotidiano: tira, produto, domínio, diferença etc.

Desejamos finalizar nossas considerações com o alerta de que essas ações  para tornar o aluno leitor de um problema não podem ser esporádicas, nem mesmo isoladas. É necessário que haja um trabalho constante com as estratégias, em todas as séries escolares, pois será apenas enfrentando a formação do leitor e do escritor como uma tarefa de todos os professores da escola, inclusive de matemática, que criaremos oportunidades para que todos desenvolvam as habilidades essenciais para o aprendizado de qualquer conceito, em qualquer tempo. Ler e escrever nas diferentes disciplinas constitui uma das chaves mais essenciais para a formação da autonomia por meio  da escola.

Para Saber Mais:

Pozo, J.I. (Org.) A solução de problemas. Porto Alegre, Artmed: 1998.

Reys, R.E. e Krulik, S. (orgs.). São Paulo: Atual, 1998.Smole, K., Diniz, M.I. e Cândido, P. Resolução de Problemas, Coleção Matemática de 0 a 6, vol. 2. Porto Alegre: Artmed, 2000.

Smole, K. S. e Diniz, M.I. (orgs.) Ler, Escrever e Resolver Problemas: Habilidades Básicas para Aprender Matemática. Porto Alegre: Artmed, 2001.

Katia Stocco Smole é Diretora do Mathema, ex-Secretária de Educação Básica do MEC (Ministério da Educação), ex-Membro do Conselho Nacional de Educação, Katia tem mais de 20 anos de atuação na área de Educação. Membro do Movimento pela Base (BNCC – Base Nacional Comum Curricular), Membro do Conselho da Nova Escola, é doutora e mestre em educação com área de concentração em ensino de Ciências e Matemática pela FEUSP, fez licenciatura e bacharelado em Matemática pela FFCL de Moema e cursos de aperfeiçoamento e especialização em Matemática no IME/USP. 

Acesse o site do Mathema: https://mathema.com.br/

Esse texto é parte do blog do Mathema e foi, gentilmente, cedido pela sua equipe.