Como desenvolver o pensamento de uma cultura escolar inclusiva e anticapacitista, reconhecendo e valorizando a diversidade de habilidades e aprendizagem entre as crianças? Nathália Meneghine dos Santos Rodrigues, professora e especialista em Educação da rede pública e integrante do Instituto Cáue, compartilha sua visão sobre os princípios fundamentais que fundamentam práticas educativas inclusivas, destacando a importância da formação de professores e do reconhecimento da singularidade de cada estudante.

Quais são as estratégias que você avalia serem fundamentais para promover uma cultura escolar inclusiva que reconheça e valorize a diversidade de habilidades e aprendizagem entre as crianças?

A perspectiva inclusiva na Educação não é uma técnica, nem um método. Neste sentido, as práticas educativas inclusivas se constroem a partir de princípios inclusivos: são eles que engendram as práticas. Por isso, a formação de professores nestes princípios, em contexto, é o que pode fundamentar uma cultura escolar inclusiva. E, que princípios fundamentais são esses? Primeiro, o reconhecimento da Diferença como inerente à condição humana, e, a partir disso, o reconhecimento da singularidade que nos faz unívocos, irrepetíveis. Em seguida, o entendimento do modelo social de compreensão da Deficiência, pois é ele que organiza toda a nossa Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva Inclusiva/2008 e seus Serviços. Por consequência, ressignificar o ensino e as aprendizagens, atravessados pelos conceitos de interdependência, da ética do cuidado, colaboração entre pares, hospitalidade, criação e estilo.

Quais são os principais obstáculos enfrentados na implementação de práticas anticapacitistas nos espaços educativos?

A formação de professores precisa se DESformar: sair mesmo da forma dos padrões de normofuncionalidade, que estabelecem miragens de padrões, ideais fechados e identidades fixas sobre os estudantes, sobretudo, sobre os estudantes com deficiência. E, isto, desde a formação de professores no Ensino Superior até a formação em contexto no dia-a-dia das escolas. O Poder Público tem a responsabilidade sobre o investimento na formação de professores e, esta, deve seguir o modelo social de compreensão da deficiência, para que as práticas educativas possam se organizar em torno na eliminação de barreiras (físicas, comunicativas, atitudinais e sociais) que dificultam a participação e permanência dos estudantes com deficiência na escola. Outro aspecto importante, é a presença de professores com deficiência nas escolas, inclusive, também nas funções de coordenação e direção. Necessariamente, tensionamentos são produzidos, revelam as crenças capacitistas presentes em cada instituição e desencadeiam importantes questionamentos sobre elas. Além disso, é fundamental a presença do Serviço do Atendimento Educacional Especializado em todas as escolas brasileiras, públicas e privadas, já que o professor de AEE tem também um papel político-formativo na escola, que incide sobre a problematização de condutas capacitistas.

Como podemos combater o estigma e os estereótipos associados às crianças com deficiências, promovendo uma cultura de aceitação e respeito mútuo? Quais estratégias pedagógicas podem ser adotadas?

As escolas são territórios potentes para fomentar essa cultura de respeito mútuo, ou o seu contrário. Por isto, a forma que construímos laços na escola, também produz marcas que nos acompanham por toda a vida. A escola nos oferece a experiência de acomodar (e desacomodar) singularidade e coletividade, ao mesmo tempo, e, é nesse exercício de negociação e afirmação, que as estratégias pedagógicas podem intervir para oferecer balizas: ajudar a cada um a ceder um tanto para estar com os outros, sem eliminar sua singularidade e seu estilo únicos. A escola pode oferecer ferramentas, através da mediação dos professores, que são adultos em posição de maestria, para que cada estudante construa seus arranjos diante do que no outro encontra de semelhante e de diferente. Por isso, professores não podem ser tomados como adereços pedagógicos no processo educativo, enquanto adultos não familiares, podem transmitir um novo modo de enlaçamento social na apresentação de um mundo para além do familiar e ajudar que cada um conquiste um lugar para si como sujeito unívoco, mas que também não rechaça o tanto da outridade que o constitui. Existir é uma experiência coletiva, ninguém se engendra sozinho, nem sobrevive.

Qual é o papel das famílias e da comunidade escolar na promoção de uma educação inclusiva e anticapacitista para todas as crianças?

A educação familiar tem um papel muito importante para uma cultura mais inclusiva em nossa sociedade, na qual possamos compreender que existem muitos modos de ser e estar neste mundo. As crianças aprendem o tempo todo comportamentos e crenças dos adultos, sobretudo, observando nossos hábitos. Isto nos alerta que é pela educação, tanto a familiar, quanto a escolar, que transmitimos preconceitos e comportamentos discriminatórios. Portanto, é também pela educação que podemos desconstruir crenças capacitistas e educar para uma vida comunitária que respeite os estilos e arranjos singulares de cada um, sem classificá-los e desumaniza-los, apenas porque são diferentes do que eu escolhi. Desumanizar a diferença nos encaminha para o rompimento dos laços civilizatórios e, consequentemente, para uma sociedade que banaliza a barbárie. A família é a primeira barreira contra a barbárie, a escola, a última: são contornos institucionais civilizatórios, são fundamentais.

De que maneira a formação e o desenvolvimento profissional dos educadores podem ser aprimorados para promover uma abordagem mais inclusiva e anticapacitista na educação?

Me parece que essa pergunta se encontra com a segunda pergunta, e reitero aqui o que respondi lá sobre o DESformar. Acrescento que é preciso desbastar que “formação” é essa de que tanto se fala. O assédio empresarial à escola tenta implementar uma perspectiva de formação de professores produtivista e tecnicista. Mas, a escola não é uma empresa. Professores não são gestores (nem adereços como afirmei anteriormente). O trabalho do professor, assim como sua formação, é processual, mergulhados nas ciências da Educação e na experiência docente. Hoje em dia há uma grande problemática em incisivas que tentam excluir o saber da experiência dos professores nos processos pedagógicos e educativos. Em minha análise, precisamos restituir o lugar discursivo dos professores, a valorização do saber de sua experiência, e reconhecer sua importância para a sociedade. Sem isto, transformamos professores em meros reprodutores de informações, aplicadores de técnicas e métodos, desbotados e amarrados para o ato educativo: neste cenário, não importa quantos cursos acumulem, não poderão transmitir o que nos humaniza e nos enlaça para sustentarmos o que chamamos de cultura e sociedade.

Nathália Meneghine dos Santos Rodrigues: Professora. Especialista em Educação pela PUC-RS. Servidora Pública no cargo de Professora na Rede Municipal de Ensino de Juiz de Fora, desde 2004 até a presente data. Possui formação específica em Atendimento Educacional Especializado, para atendimento a estudantes com deficiência e altas habilidades. Possui graduação em Psicologia pelo Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora, bacharelado e licenciatura plena. Integrante do Instituto Cáue -Redes de Inclusão. Tem experiência em Gestão Pública, nas áreas de Educação e Assistência Social. Coordena grupos de estudos em Educação Inclusiva. Contato: nathaliameneghine@gmail.com