É um tempo de vozerio, de alarido, de ruídos e fragmentação  – tamanha balbúrdia que nem nos damos conta de como estamos soterrados em uma avalanche sonora. Quer ver? Faça um exercício muito simples, agora mesmo. Feche os olhos e fique em silêncio por alguns segundos.

No princípio, um zumbido irritante, como uma massa indistinta. Logo, vai conseguir  lentamente começar a discriminar os sons de seu ambiente. Talvez o pano de fundo da cidade, buzinas, carros rugindo, o ônibus pigarreando alto. Vozes, passos, portas, o ar-condicionado, e também vibrações, vento, a natureza que resiste. São infinitas possibilidades, claro, dependendo do lugar onde está.

Os sons não são apenas diversos em número, mas também em qualidade. Infinitas gradações, entre altos e baixos, contínuos ou espaçados, rascantes ou agradáveis, rudes ou contagiantes, tensos ou relaxantes.  Junte-se a isso todos os que falam ao mesmo tempo conosco, dentro e fora de nossa mente, esperando providências, trazendo queixas, perguntas, juízos, comentários…

Tudo isso para dizer que ouvir não é nada fácil, e sabemos por nós mesmos. Quem pode levantar a mão e dizer: eu me sinto ouvido? Justamente por termos essa medida pessoal, precisamos lembrar o quanto ouvir, querer ouvir, saber ouvir se torna uma atitude urgente e essencial para não nos desumanizarmos. Nesse mundo cacofônico, ouvir verdadeiramente  requer um esforço, ativo, consciente e, sim, afetivo, amoroso.

Há um texto escrito na década de 1960 pelo psicólogo norte-americano Carl Rogers (1902-1987), no qual descreve a alegria sentida quando capaz de ouvir profundamente alguém. Escreve Rogers – e vejam como soa atual. “Há muitas, muitas pessoas vivendo em calabouços privados hoje em dia, pessoas que não deixam transparecer esta condição e que têm de ser ouvidas com muita atenção para que sejam captados os fracos sinais emitidos da prisão”. 

Logo mais, o grande psicólogo define: “Quando efetivamente ouço uma pessoa e os significados que lhe são importantes naquele momento, ouvindo não suas palavras, mas ela mesma, e quando lhe demonstro que ouvi seus significados pessoais e íntimos, muitas coisas acontecem. Há, em primeiro lugar, um olhar agradecido. Ela se sente aliviada. Quer falar mais sobre seu mundo. Sente-se impelida em direção a um novo sentido de liberdade. Torna-se mais aberta ao processo de mudança”.

Não é preciso dizer mais. Embora essa reflexão sirva para todos os âmbitos da vida humana, há um sentido especial que toca o professor. Desde a primeira linha deste texto, estamos falando de Educação. Não há pedagogia sem escuta, de nenhum tipo, vertente ou tecnologia. Não é possível educar sem ouvir – as palavras, os gestos, o olhar, o toque, as entrelinhas. E, sem que sejamos também ouvidos, não há diálogo real. É nos tons, semitons  e nos silêncios  que a música das relações se estabelece, e somente a partir de relações é possível educar. 

Quem sabe não seja um ótimo propósito de novo ano letivo começar por reeducar nossos ouvidos? Os alunos estão lá, depois de meses tão doloridos, no solitário calabouço do isolamento social. Querem falar, desaguar a torrente de seus sentimentos represados, querem sentir que há vida lá fora, querem se perceber escutados. Verdadeira e profundamente escutados. Tudo o que precisam, neste momento, é encontrar seu professor – aquele ser humano que certamente saberá ouvi-los, um a um, de forma única e sincera, com o melhor radar do mundo: a atenção, uma amorosa atenção.