Escrever é estar no extremo de si mesmo, já disse João Cabral de Melo Neto. Sigo me buscando nesse extremo.

Obrigada, menino !

Sozinha entre muitas sacadas, janelas e vidas uma marota pipa vermelha se esbalda no
céu azul de uma São Paulo ensolarada “desbicando” com sua rabiola amarela. Brincadeira mais antiga e mais atual.

Atire a primeira lata quem nunca teve entre os dedos uma delicada linha que ganhou
distância e subiu, lentamente, aos ares levando consigo nossos pensamentos, desejos e
coração.

Chego a sentir a linha branquinha, branquinha, muitas vezes, virgem entre meus dedos
dando pequenos solavancos e subindo, subindo. Tempos de outrora.
Brincadeira de criança,

A pipa me convida a sair da sala. Aceito o convite. Ao sair dou de cara com uma via
movimentada onde carros passam lentamente e as pessoas seguem a vida entre
pensamentos e tarefas a serem cumpridas sem notá-la. Vida que segue…

Nesse espaço entre a sensibilidade e a rotina avassaladora há um menino. O menino
sozinho na inteireza de seus desejos ( tenho para mim que o desejo maior seria o de voar)
refina sua brincadeira através de seus gestos.

Iniciasse um “dar linha”, olhos atentos, lábios apertados, um entrelaçar de dedos que se comunicam sutilmente e, aos poucos, ganham vigor, solavancos maiores passam a embalar o corpo. O corpo não mais lhe pertence. O corpo está entregue. Em uma espécie de dança, onde movimentos se completam, o corpo é a pipa.

Nessa simbiose entre o menino e a pipa o tempo parece ter outra dimensão. Ele ganha
status de encontro.

Alguém já disse que as crianças são mestres em encontros. E no encontro entre a linha, a
lata, o papel de seda, cola, as varetas, o menino transformou elementos em sonho. Sonho
que ganhou o céu e me fez reviver um tanto da minha infância.

Obrigada, menino

Marcos Vitiello, especialmente para você!