Já olhou com atenção para suas prateleiras? Observou o que há nelas, analisou sua importância e como as coisas estão dispostas por lá? Se ainda não, faça este exercício por alguns minutos e descubra a poesia que existe na relação que estabelecemos com nossas prateleiras, com os objetos que existem ali, sua importância no cotidiano. Existe vida neste ambiente.

A longo dos anos, nós, seres humanos, fomos nos encolhendo em nosso tempo, e em nossos ambientes. Os afazeres diários foram nos apertando no tempo, e a necessidade de vivermos em grandes centros foram nos apertando no espaço. Assim, todos estamos já habituados a termos pouco tempo, em pouco espaço. 

Diante disto, e de nossa espetacular capacidade de acomodação às mais diversas formas de vida, passamos a nos organizar como os velhos “cowboys” dos filmes do velho oeste norte americano. Nossas “armas” devem estar sempre prontas para um saque rápido. Por certo que estamos falando de nossas armas de sobrevivência cotidiana: pratos, livros, alimentos…

Neste cenário é que surge a complexidade de nossas prateleiras. Não sabemos ao certo se, na origem da palavra, estaria a ideia de organizar os pratos pequenos (pratel), ou se seriam as peças de prata. Fato é que, acompanhando nosso movimento minimalista, as prateleiras vêm proporcionalmente diminuindo, à medida em que diminuem os tamanhos de nossas casas e apartamentos. Com isso, nossa forma de pensar aqueles espaços também mudou.

A intenção, para muito além de apenas “guardar” nossos objetos, tem sido de organizá-los de forma a estarem sempre à mão, otimizando nosso tempo/espaço. Cada um de nós faz isso ao seu modo particular, e quase que instintivo, sem se atentar para suas estratégias. Existem prateleiras cujos objetos são organizadas de todas as formas: do menor ao maior, das cores mais claras às mais escuras, dos mais usados aos menos, e ainda todas estas em ordem contrária. E há também aquelas em que os objetos vão entrando onde cabem. Empurra um pouco pra esquerda, um pouco pra direita e: …zás… Um espacinho novo surge… 

É por isso que nossas prateleiras dizem tanto sobre quem somos, e como vivemos. Existe uma lógica em sua (des)organização que retrata parte do que somos. Mas também retratam um pouco de nossos desejos e necessidades. É aí que as prateleiras ganham poesia. Afinal, o que é uma cama, se não a prateleira de colocar o que somos pra repousar cansaços? Nossa mesa de jantar não seria uma prateleira onde espalhamos comida e convívio? E a família, quem sabe a prateleira onde organizamos tolerância e amor, sabe-se lá em que ordem?

Em nossas estantes e armários (prateleiras onde unimos prateleiras), há sempre algo a nos alimentar. Desde os cereais mais comuns e básicos, e as guloseimas mais deliciosas e calóricas a nos saciar (e aumentar) o corpo, até os livros e autores preferidos a nos alimentar (e dar leveza) à alma. Alimentar.

Olhe para as prateleiras de sua casa e veja um pouco de você. Mas mova-as de tempos em tempos. Traga para o alcance de seus olhos aquele livro que você jamais se animou em ler. Troque a foto do porta-retratos que possivelmente não atraia mais sua atenção. Traga algo novo ao seu antigo espaço. Alimente-se sempre de novidades e frescor. Não tenha medo de se desfazer do que não alimenta mais… o que for de doar, doe… o de perecer, jogue fora. 

Quando revigoramos nossas prateleiras algo em nós também revigora. Tudo pode ser emprateleirado, para permanecer estático e disponível, exceto nossas vidas. Nosso dinamismo criou nossas prateleiras para serem o quanto mais práticas possível, mas não para que nos acomodemos nelas, nem como elas. Revire-as como os agricultores reviram a terra a cada nova semeadura. Consuma o que há nelas. Explore.

Quando reanimamos nossas prateleiras físicas, promovemos um verdadeiro reboliço em nossas prateleiras internas, onde existe tanto a ser descoberto, redescoberto, conhecido, reconhecido, lembrado e relembrado. 

Quer tentar?