No último dia 03 de junho, tivemos o encontro organizado  pela  empresa Diálogos Embalados que reuniu  o educador português António Nóvoa e o professor Paulo Fochi, dois dos principais nomes que debatem a educação contemporânea no Brasil e no mundo. O encontro, que se realizou no Colégio Rio Branco, com mediação da professora Patrícia Nunes, trouxe importantes reflexões para nós, professores.

Segundo António Nóvoa, o desafio contemporâneo enfrentado pelos profissionais da educação pode ser sintetizado na necessidade de resgatar a missão humanista inerente à docência. Nas últimas décadas, observou-se uma ênfase significativa em aspectos como o papel do professor pesquisador, as histórias de vida dos docentes e as diversas competências socioemocionais e digitais. Contudo, parece ter havido uma certa negligência em relação ao foco humanista, essencial na prática educacional atual.

Atualmente, vivemos em um contexto global marcado por fragmentação e conflitos, tanto entre nações quanto dentro delas, incluindo nas redes sociais. Esse ambiente de tensão e violência acentua a necessidade de revalorizar os direitos humanos como pilares da educação e do trabalho docente. A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 estabeleceu direitos fundamentais que ainda aguardam plena realização, como a paz, o pão, habitação, saúde e educação, conforme citado na canção de Sérgio Godinho em comemoração aos 50 anos da Revolução dos Cravos, que derrubou a ditadura em Portugal.

Além dos direitos tradicionais, emergem novos direitos humanos, como os direitos da Terra, que devem ser reconhecidos como direitos humanos. Incluem-se também os direitos a um digital público não controlado por grandes oligopólios, os direitos de mobilidade dos migrantes – que hoje devem contemplar a mobilidade entre países – e os direitos das diversidades em todas as suas formas. O direito à longevidade e os direitos intergeracionais também são cruciais em uma época em que a expectativa de vida está aumentando, resultando em múltiplas gerações coexistindo no mesmo espaço.

A consagração destes direitos humanos, antigos e novos, constitui a base da missão humanista dos professores e da educação. A educação eficaz ocorre não apenas entre semelhantes, mas principalmente entre diferentes, promovendo a capacidade de entender e valorizar outras realidades e pessoas. Esta é a essência da educação humanista, que se expande além do familiar e do conhecido.

Paulo Fochi citou um pensamento de Moacyr Scliar que diz que educar é um ato que envolve se colocar à disposição do outro e disponibilizar tudo aquilo que permite a transformação do indivíduo. Educar é, portanto, um processo que nos une em nossa jornada coletiva, motivando-nos a nos dedicarmos à tarefa complexa de nos tornarmos humanos e ajudando os outros a fazerem o mesmo.

Na escola, crianças aprendem sobre a humanidade em um ambiente coletivo, contrastando com o aprendizado restrito à esfera privada da família. Como apontado por António Nóvoa, a escola oferece a oportunidade única de colocar as crianças em contato com toda a humanidade, promovendo um ambiente inclusivo onde nenhuma criança é deixada de fora.

A escola desempenha um papel essencial ao proporcionar um espaço de interação com a diversidade. Diferente da família ou da comunidade local, a escola é o local onde as crianças entram em contato com as múltiplas formas de existência e as diversas maneiras de ser e estar no mundo. Essa interação com o diverso é fundamental para a construção de uma ideia de “nós” e para a formação de uma humanidade plena e plural.

Como enfatizado por Ailton Krenak, a nossa tarefa é adiar o fim do mundo, promovendo estratégias que encorajem as crianças a imaginar e construir novos futuros possíveis. Ele nos lembra que vivemos em um tempo que cria ausências e intolerância ao prazer de viver. Para adiar o fim do mundo, livros e encontros educacionais são ferramentas poderosas para essa missão. É fundamental que todos os educadores façam parte dessa constelação que dança, canta e promove a vida, garantindo que a educação continue a ser um ato de resistência e transformação.

A prática educativa diária é onde ocorrem as grandes revoluções. Decisões cotidianas, narrativas compartilhadas e interações significativas dentro da escola ajudam a construir um futuro diferente, onde a curiosidade das crianças é valorizada e incentivada. A professora Maria Carmen Silveira Barbosa destaca que compartilhar a vida, socializar e brincar são gestos fundamentais na educação infantil, preservando a beleza e a novidade da infância e encorajando a capacidade de sonhar.

A escola desempenha um papel único ao ser um espaço e um tempo distintos da família e da sociedade. Se a escola apenas replicar as experiências oferecidas fora dela, como os mesmos jogos, redes sociais e conteúdos digitais, perderá sua relevância. A utilidade da escola reside em ser diferente, proporcionando um ambiente onde os alunos possam explorar novas ideias e perspectivas, errar e arriscar, e cultivar a curiosidade.

Em um mundo de fragmentação e solidão, especialmente nas redes sociais, onde muitas crianças experimentam angústia, a relação pedagógica oferece um espaço de solidariedade. A transição de solitário para solidário é crucial para a nossa capacidade de viver livremente. A educação proporciona a liberdade de sermos quem quisermos ser e de aspirar a novos horizontes. Esta liberdade existe no ato pedagógico e na relação educativa, não antes ou depois. Assim, a missão humanista dos professores, que precisamos urgentemente resgatar, reside nessa liberdade e na promoção de uma educação que valorize os direitos humanos, a diversidade e a comunidade.

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