Desde o tempo em que vivíamos em cavernas e o objetivo central de nossas vidas era a luta diária e incessante pela sobrevivência, mesmo antes de termos sido capazes de construir alguma ferramenta, nosso corpo era tudo com o que podíamos contar.
Esta visão ancestral de nossa espécie humana e o sucesso na manutenção e evolução de nossa vida deixa clara a participação direta de nossos corpos na construção do vasto repertório de conhecimentos que acumulamos ao longo de milênios.
Todos os nossos saberes passam necessariamente pelas experiências sensoriais. Assim, nossa identidade e nossa forma de nos relacionarmos com o mundo exterior vão sendo edificadas enquanto a linguagem corporal também é construída e se torna visível.
Conhecer o corpo e explorar o mundo
A formação das nossas atividades motoras surge a partir de nossas necessidades, de nossos desejos e da adaptação ao mundo exterior. Ainda antes da linguagem oral, há a construção de nossa linguagem corporal. Isso ainda está presente desde os primórdios de nossa existência até os dias atuais.
E esta linguagem corporal é a materialização do pensamento. O pensamento se transforma em gesto e estes se consolidam em uma rica linguagem, unindo as emoções às sensações. Esta sequência ininterrupta promove o aperfeiçoamento cerebral formando a relação do ser com seu mundo exterior.
Especialmente para as crianças, os gestos iniciais são quase que instintivos, mas com o passar do tempo e das experiências, eles passam a ser mais automáticos e vão ganhando mais especificidade. Para cada nova experiência, uma nova forma de construir a acomodação motora.
Assim, não há como separar as funções e atividades motoras da criança do seu desenvolvimento cognitivo e afetivo. É desta forma que elas edificam as relações com o próprio corpo e estabelecem sua relação com o externo.
É neste exato ponto que reside a importância do brincar em todas as suas formas. Quando à criança é permitido o brincar livre, também lhe são permitidos e estimulados o desejo e a necessidade de fomentar seu desenvolvimento intelectual, motor e social.
Desde o refinamento de seus movimentos que lhe permitem melhor controle de seu corpo e de seus movimentos, até a elaboração das formas de interação com os corpos de outras crianças, também em construção e em movimento.
O papel do educador na relação corpo – aprendizagem
Muito mais do que conhecer minimamente esta relação complexa entre o corpo e a construção de saberes, os educadores precisam estar prontos e atentos nas ofertas a serem disponibilizadas, de forma a incrementarem este processo.
Certamente não há de ser exigido do educador um conhecimento aprofundado sobre as elaborações cerebrais desde a captação das sensações até a execução do movimento com a estimulação dos receptores até a chegada do impulso elétrico no sistema nervoso periférico.
Mas é recomendável que estejamos com nossas cabeças e corpos em harmonia, de forma a termos capacidade de reconhecer e participar ativa e prazerosamente deste processo complexo de construção de aprendizagens.
E este equilíbrio pode ser alcançado por uma gama enorme de ações. Uma delas é o contato com nossas emoções e sensações mais primitivas. A leitura de um livro, assistir a um bom filme ou ouvir uma música que nos entreguem às emoções, uma caminhada por um parque que remeta nossos olhos à natureza, uma noite bem dormida a nos refazer ou, até mesmo, permitir-se a um tempo de ócio criativo que nos revigore.
Vale refletir sobre um fato concreto. Os educadores também são sujeitos ativos nos processos de aprendizagem, contribuindo com suas mentes e seus corpos. E também a construção de nossos saberes trilhou este mesmo caminho. Existe em nós, portanto, esta memória de estímulos, gestos e cognições que precisam ser retomadas.
A partir das diferentes formações culturais que compõem nosso país, fomos arregimentando nossos conhecimentos, nossas condutas, nossas relações pessoais, com a sociedade e com o mundo à nossa volta. Somos ferramenta viva e ativa deste processo.
Até mesmo as construções afetivas passam pelos nossos corpos. Um abraço que ameniza a dor ou o medo, o olhar terno de aprovação, as mãos dadas em incentivo no enfrentamento da incerteza são exemplos deste semear de sentimentos.
Isso reforça nossa importância e nossa responsabilidade. Havemos de nos preparar, formar e reformar incessantemente. Mas jamais podemos nos afastar dos cuidados com nossos corpos, com nossas emoções e reações porque estaremos deixando nossas marcas nas infâncias que nos são confiadas.
Por isso professores e professoras, dancem, cantem, durmam, viajem, leiam, escrevam, estudem, de forma que encontrem equilíbrio entre seus corpos e suas mentes, reencontrando-se com a origem de seus bons sentimentos. Este é um gesto de amor em favor da educação e das infâncias de todos os tempos.