Neste início de Novembro[1] aproveitamos o feriado prolongado e viajamos até a cidade de Lima, no Peru, junto com um grupo brasileiro de Educadores e Educadoras, assessorados pela Diálogos – Viagens Pedagógicas[2].

O objetivo da viagem consistia na visita de três escolas com a proposta Pedagógica influenciada pelo sistema educacional de Reggio Emilia, na Itália.

As diferenças iniciais a serem consideradas é que a Proposta em Reggio Emilia se concentra em escolas Públicas de Educação Infantil. Já em Lima, visitamos um grupo Privado. Além disto, observamos a prática em uma das escolas até o 6º ano Primário[3].

O presente relato parte do ponto de vista individual. Visitar escolas e suas propostas nos parece uma prática interessante para nos ajudar a (re)pensar nossa própria prática.

Atualmente atuo como Diretor de Escola no Município de São Paulo, mas busquei não apenas um olhar enquanto gestor escolar.

O olhar para os espaços, para as crianças acabou sendo meu maior foco, que espero que fique evidenciado neste breve escrito.

Certamente nem tudo o que vi consta neste material, mas já serve como um início de discussão sobre diferentes propostas pedagógicas.

 Obs: Nos espaços não é permitida fotografia. As imagens aqui divulgadas estão disponíveis no site da instituição[4], ou foram retiradas nos espaços externos e em atividades com os Educadores e Educadoras brasileiros, com a devida permissão.

Experiência no Colégio Áleph

(Alameda Del Remero Lt.5-6, Mz. X, Los Huertos de Villa – Chorrillos.) 

(Imagens do site: http://colegioaleph.edu.pe)

Uma grande escola, com uma arquitetura peculiar.

O seu prédio é redondo.

Percorrendo seu interior, você consegue visualizar o interior de todas as salas, pois não temos paredes de alvenaria, mas sim totalmente envidraçadas do teto ao chão. Isto já atende a premissa sobre a arquitetura em Emilia, de tal forma que você consegue “ver tudo” o que acontece pela escola.

Tais salas de aula são ali chamadas também de ateliês. Temos aí a segunda e, no meu ponto de vista, a maior diferença em sua (bela) arquitetura. Não temos as, por nós conhecidas, salas (com carteiras) enfileiradas, ou mesmo salas com um único modelo de mesas e cadeiras. Também foi difícil observar uma sala igual ou com a mesma disposição de mobiliário (talvez não existam mesmo salas iguais).

  

                          (Imagens do site: http://colegioaleph.edu.pe)

O atendimento se divide em Inicial (correspondente à Educação Infantil), dos 3 aos 5 anos de idade, à Primária (Ensino Fundamental I), dos 6 aos 11 anos. Em 2018 há previsão do 1º grau (ano) Secundário (Fundamental II).

PARTE 1

Fomos divididos em pequenos grupos entre os Educadores e Educadoras brasileiros para visitarmos as salas. O que seria precioso neste dia é que era um dia de atividades com os meninos e meninas, já que se tratava de um dia de semana.

Fui encaminhado para o 3º ano, com alunos entre 8 a 9 anos.

A primeira coisa que acabei mesmo observando foi essa disposição do mobiliário… Mesas de formatos diversos. Uma redonda, uma quadrada… Banquetas, cadeiras de madeira, poltronas. É como se você estivesse em uma daquelas lojas da Tok Stok ou Etna. Todas as prateleiras, sem armários fechados, com todo material a disposição das crianças. Potencialmente material de artes. Nada muito estiloso, mas uma organização a satisfazer o mais perfeccionista dos organizadores.

O único quadro (tipo lousa) continha uma tabela com nome das crianças divididas em vários temas. Em alguns quadrinhos havia observações do que cada criança necessitava aprofundar (“preciso melhorar meu inglês”). Alguns escritos pareciam ser das próprias crianças, dada a grafia.

Um tapete, com as tais poltronas e algumas banquetas ao seu redor…

O segundo passo foi me aproximar e ver se podia interagir ou perguntar algo, pois fomos orientados a apenas observar e, caso alguma criança interagisse por espontânea vontade não teríamos problema.

Vi um professor, ou lá conhecido como Maestro, com duas crianças em uma mesa. Estavam trabalhando com pintura com guache. Outras Maestras por outros cantos da sala… Logo, percebemos a presença de 12 crianças naquela turma com 4 Maestros. Consegui um breve diálogo com o Maestro. Um psicólogo. Acabei perguntando se ele gostava de trabalhar ali… E logo percebi que teria uma resposta óbvia demais.

As outras Educadoras brasileiras logo se postaram a observar também cada detalhe. Vencido o deslumbre inicial, algumas aceleraram com suas anotações em seus cadernos e pranchetas. Conseguiram fazer inúmeras perguntas às demais Maestras. Não foi esse meu centro de interesse.

Ao meu lado um garoto se colocou com sua flauta doce a se exibir para mim. Acho que era isso que eu queria!

Com aquele garoto, embora tivéssemos a barreira da língua (português vs espanhol), consegui perceber que o projeto da sala era sobre o Mercado. A partir dali, as atividades, em cada espaço, percorreriam as áreas de conhecimento para que eles resolvessem suas pesquisas sobre o tema escolhido.

Na outra bancada, atrás de uma dessas prateleiras, havia uma menina, um menino e mais uma Maestra. Era a professora de Matemática da turma. Só perguntei para ela se eles ficavam ali naquela sala por algum tempo, pois ali parecia apenas um ateliê de arte. Não! Aquela era a “sala de aula deles”. Explicou-me brevemente que as crianças escolhiam o tema (Mercado) e as áreas eram trabalhadas. Voltei-me para as crianças, investindo definitivamente o tempo que me restaria ali com os pequenos.

A menina estava montando uma maquete. Uma espécie de vendinha de frangos, o “pollo”. Começamos então a estabelecer o diálogo sobre como as palavras em espanhol se dariam em português, o que trouxe uma luz ao centro de nossa conversa.

Um menino ao lado que parecia pintar uma cédula de dinheiro, me lançou um desafio com cálculo matemático:

“60X60=”

(Arquivo próprio)

Coloquei de pronto o resultado, sem mesmo armar a tal continha e o olhar dele foi de espanto. Chamou um colega, como se uma mágica ali tivesse surgido!

Então, ameacei “armar” a multiplicação e fui prontamente interrompido pelo segundo garoto. Ele “cortou” os dois zeros. Até aí, alguma regra formal. Mas veio o desafio! Quanto ou como se obteria o resultado de 6X6?

Perguntei se ele sabia quanto era “de cabeça”… Foi nesse momento que pude observar como seria sua forma de buscar o resultado, fazendo somas mentais de “6 em 6”… Depois, os dois zeros “cortados”, voltaram para obtenção do resultado final.

O garoto da flauta voltou ao meu lado e começou a tocar uma música desconhecida por mim. Acho que para me agradar tocou depois o tema de A Pantera Cor de Rosa…

Perguntei sobre quais músicos ele gostava. Dizia não conhecer muitos, mas que gostava de AC/DC. Garoto interessante (observação minha).

Neste momento se aproxima Sebastián…

Traz em sua mão um papel em que havia pincelado algumas cores. Começou a escrever em espanhol, então as cores. Escrevi ao lado em português. Ficamos falando o nome das cores, entre outras palavras.

Ele me disse algo que não consegui compreender. Pedi para que desenhasse o que queria me dizer. Fez alguns jogadores de futebol e uma trave. Escreveu nome dos jogadores da Seleção brasileira. Fez o Neymar[5] com um topete para diferenciá-lo.  Falei que estava errado e desenhei o Neymar caído no chão… Ele riu muito. Acho que entendeu muito bem a piada.

(Arquivo próprio)

Nem havia percebido, mas os demais estavam se posicionando lá ao redor do tapete. O Maestro veio chamar Sebastián.

Fiquei na mesa observando de longe. Sebastián voltou até mim e me chamou para que eu fosse também até a roda. As demais Educadoras também foram convidadas.

Começaram a cantar uma música em inglês. O Maestro tocava o violão.

A Maestra, que entendemos ser a de inglês, falou que falaríamos sobre as experiências daquela manhã. Pediu para que nós (os visitantes) falássemos quem éramos.

A primeira Educadora se apresentou, dizendo da felicidade de estar ali para observar como a escola ali funcionava. Fui o próximo… Falei meu nome, que era Diretor em uma escola municipal, mas que era meu dia de aprender com eles.

Muitos entenderam e sorriram.

As crianças iam falando sobre seus projetos, enquanto a Maestra se preocupava em filmar com sua máquina fotográfica. Essa forma de registro seria melhor explicada na parte da tarde na palestra que teríamos após a visitação da escola.

Uma garota falou de sua dificuldade em fazer as patinhas de uma espécie de inseto feito com palito de sorvete e arame. Estava sentada confortavelmente, quase que “afundada” em uma poltrona.

Entre alguns depoimentos das crianças, mais canções. Todas em inglês. Músicas POP. Tinham a letra da música para lerem. Lá vem Sebastián de novo me oferecer o papel com a letra que tentei cantar junto.

Chegada sua vez, me veio a surpresa! Sua fala foi sobre nossa conversa sobre as novas palavras que ele aprendeu em português naquela manhã:

Meu nome é SEBASTIÃÃÃO.

Pegou a folha com as cores:

-Naranja (naranra) é laranja (leu perfeitamente o som do “j” em nossa língua).

-Amarillo é amarelo… etc.

Outro garoto ficou “enlouquecido” e pediu a tal folha, dizendo que era para seu projeto. Insistiu um bocado!

Achei melhor não disputar com ele a tal folha. Felizmente a folha do futebol foi esquecida por Sebastián e consegui ficar com ela.

Um dos garotos mostrou seu gatinho numa foto. Como estava em seu celular, pediu para buscá-lo. O Maestro falou que autorizava, pois eles não podiam ficar com o celular em sala, dizendo que aquilo os distraía. Uma regra estabelecida sobre o uso do celular.

Findada a roda, eles teriam meia hora livres. Alguns permaneceram na sala; alguns foram ao ateliê ao lado continuar alguma atividade; os demais saíram rumo as áreas abertas (parques, campo).

Ao centro do prédio redondo de Áleph fica um enorme brinquedo feito em aço escovado e cordas para escalada. Um gira-gira inclinado. Imenso! Nada convencional. Vim a descobrir depois que era um brinquedo importado da Alemanha.

Achei um dos meninos daquela turma jogando bola. Avistei os Educadores num café do outro lado do campo externo e fui para lá.

Tomando meu café, ouço:

Oi, Rodrigo!

-Oi, Sebastián…

Embora tenhamos observado um aluno com necessidades especiais naquela sala, não notamos sua apresentação de atividades. Mas esteve como ouvinte no grupo.

Embora algumas Educadoras tenham perguntado sobre a Inclusão de alunos no Colégio e a resposta foi de que as mesmas são aceitas, o Regimento apresenta alguns óbices ou pontos a superar. Caso um aluno ingresse, a depender de sua necessidade especial, é papel dos pais contratarem um serviço particular de um acompanhante da criança no período escolar. Esse profissional será avaliado pela instituição.

PARTE 2

Na segunda parte da visita, fomos conduzidos a conhecer os demais espaços, agora sem atividades com as crianças.

Vários ateliês denunciavam a multiplicidade de projetos: emoções, mercado, dinossauros, vulcões…

Em um dos ateliês vimos um garotinho de uns 5 anos, sozinho, pintando algo em um mesa.

Outro espaço, o único com armários com portas, observei o nome das crianças em etiquetas. Eram seus armários individuais. Sem chaves. Um menino abriu um armário, pegou algo, fechou e saiu. Não vemos Maestros acompanhando diretamente essas crianças.

Perguntei sobre essas crianças, embora já soubesse a concepção (mas sempre bom confirmar). A Maestra que nos tutoreava explicou que os Maestros sabem onde as crianças estão. Que se algum outro Maestro vir uma criança em algum espaço, parte da premissa que alguém autorizou que ela estivesse ali. Mais uma parte da proposta vinculada à autonomia delas.

Passamos por vários espaços. Alguns com mini palestras de alguns Maestros. Preferi me sentar do lado de fora e apreciar um pouco mais da arquitetura e dos mobiliários. Na última sala, um sofá confortável. Sentei-me e ao chegar a Maestra começou a falar dos “cartões de responsabilidade” daquela turma. Eram cartões com desenhos e alguma responsabilidade escrita de cada criança, como, por exemplo, tal criança era responsável pela organização dos lápis de cor.

Também havia uma pasta de “qualidades da criança” escrita por seus pais. A intenção é tanto para o conforto da criança, caso ela queira pegar aquele escrito durante algum momento, ou mesmo para que os Maestros possam utilizar em alguma situação que julgar necessário.

Observei que até havia um Agente de Segurança na escola, mas que o mesmo ficava fixo num ponto ou outro de Áleph, sem uma interação com as crianças. Perguntei sobre a inexistência de inspetores de alunos. De fato, eles não existem naquela organização.

Questionei como faziam sobre questões de indisciplina, brigas entre alunos. O projeto da escola é algo como “amabilidade”. As crianças tem que ser amáveis. A Maestra me explicou que fazem a Mediação de Conflitos com as crianças nas salas. Basicamente que isso faz parte da aula. Abordou também a Justiça Restaurativa. Que uma criança não é obrigada a perdoar a outra… que não tem que se abraçar como resposta. Mas que têm que se sentirem responsáveis por seus atos. Que muito raramente alguma criança é levada até a Direção da escola. Que os pais são sempre comunicados de eventuais problemas no colégio.

Embora, não seja isso o que encontramos no Regimento[6] em Áleph.

Não encontramos estar prevista a tal Mediação, acreditando, portanto, que isso faça parte de seu aspecto Pedagógico.

Principalmente tendo em vista as sanções, que vão das admoestações, que devem se assemelhar com o que denominamos “advertência”, suspensão (até 10 dias), até a expulsão do aluno. Lendo mais atentamente o Regimento, essa expulsão pode ser entendida até mesmo como banimento do aluno, pois este não será autorizado a retornar nos anos seguintes ao colégio.

Muito detalhado, se refere a casos de reincidência, atenuantes e agravantes, como por exemplo, o aluno que fizer parte de alguma liderança estudantil e cometer alguma falta, sua sanção poderá ser maior. Há previsão qualitativa do que intitulam “faltas”, que variam entre “leves, graves e muy graves”. Lembremos que dentre os temas desenvolvidos em Áleph está a Cidadania. Bem provável esse Regimento já seguir parâmetros que o aluno encontrará vivendo nas cidades peruanas, ou comum nos Regimentos de outras escolas (não pesquisado neste estudo).[7]

 Segue, a título de exemplo, um dos artigos que apontam as sanções:

Artículo 41.- Las sanciones disciplinarias aplicables a los alumnos son:

  1. a) Amonestación oral al alumno;
  2. b) Amonestación escrita al alumno dando parte a los padres que la deben firmar y devolver;
  3. c) Convocar a los padres y el alumno para que asuman conjuntamente el compromiso de modificar la conducta sancionable de éste último;
  4. d) Convocar a los padres para que retiren del COLEGIO al alumno y proceder a su suspensión académica, por 1 ó más días, según la magnitud de la falta, prohibiendo su ingreso al COLEGIO;
  5. e) Matrícula condicional; y,
  6. f) Expulsión.

Nessa caminhada me aparece mais uma vez Sebastián. Jurei pra mim mesmo que se ele aparecesse mais uma vez o colocaria em minha mala e traria para o Brasil…

Perguntei para ele se gostava de Áleph… Diferente da resposta do Maestro, acreditaria que a dele seria mais significante sobre Áleph:

-Eu amo Áleph.

Não o vi mais após nos despedirmos… ele ficou em Áleph.

PARTE 3

Antes ainda do almoço, fomos para uma palestra com a Diretora de Áleph, Sra Elisa Galvez.

Apresentou a proposta do Colégio Áleph. Basicamente o que presenciamos.

Dissertou sobre as reuniões semanais com as Maestras. Ao menos uma vez por semana existem as Reuniões coletivas, as por série e as por sala. Todas com a presença da Coordenadora.

Os alunos estudam a partir das 7h30. Os horários de saída variam entre as turmas, entre 13h e 15h.  Após esse horário, ocorrem as reuniões com as Maestras por ao menos 1h30.

O que mereceu destaque foi a questão do uso dos registros (como aquelas filmagens que a Maestra fez na sala). A partir desse material, por exemplo, além das observações, anotações e trabalhos desenvolvidos é que as Maestras realizam os registros individuais de desenvolvimento das crianças. Não existem provas. Não existem notas. A única preocupação com notas é na eventualidade de transferência de uma criança para outra instituição de Ensino.

O que dá certa flexibilidade curricular com o Ministério de Educação é uma obrigação de cumprimento de 70% da grade.

Havia notado que nenhuma criança em Áleph tinha características típicas do povo peruano. Tão pouco as Maestras. Embora isso, preferi não comentar. A escola, em sua grande área, era rodeada por casas populares. Ficamos hospedados em Miraflores (Lima/Peru), um dos bairros de Lima. Região nobre. Para chegarmos em Áleph, percorremos por volta de uma hora de ônibus, claro que considerando o trânsito de Lima. Com isso, notamos que a população local não é a que acessa Áleph.

Com isso, questionei se existiam alunos daquela comunidade ali matriculados ou algum benefício como o de “bolsa de estudos”. A Diretora explicou que não existiam nem os alunos da região, nem o uso de bolsas. Entende que a Educação ali aplicada é cara.

Isso podemos ver em seu site, assim como em vídeo no youtube que coloca essa escola entre as dez mais caras de Lima.

Um dos vídeos durante a palestra mostrou uma visitação de uma turma em uma das residências para que as crianças tivessem contato com a região.

PARTE 4

Após o almoço fomos chamados para uma vivência sobre jogos simbólicos num dos parques externos do colégio.

Haviam vários materiais: tecidos, tesouras, papeis, caixas de plástico, celofane…

Já que o parque estava liberado, muitos foram percorrer o brinquedo. Depois alguns começaram a tentar fazer algo com os materiais. Um grupo empilhou várias das caixas embaixo da escada do brinquedo, com intento de fazer uma vendinha.

(Arquivo próprio)

Logo um grupo se reuniu em círculo e começaram a emitir sons de passarinho com o celofane, como uma espécie de apito.

(Arquivo próprio)

Após essa vivência fomos mais uma vez direcionados para uma palestra sobre os tais jogos simbólicos.

(Arquivo próprio)

Foi falado então sobre a importância da escolha dos materiais. Mas que os resultados não eram determinados pelas Maestras. Que as crianças deveriam usar de sua imaginação para a construção de seus brinquedos e brincadeiras.

Perguntei se havia alguma atividade de resgate de brincadeiras culturais ou jogos convencionais de tabuleiro. Mesmo com a tradução simultânea fornecida, senti que a palestrante ficou tímida ao se posicionar, não havendo uma resposta compreensível sobre isto.

2º DIA

No segundo dia faríamos as visitas em duas escolas.

Essas já em áreas nobre em Miraflores[8].

Duas unidades chamadas Casa Amarilla, mas que fazem parte do mesmo grupo educacional que visitamos no dia anterior.

Nestas duas escolas temos o atendimento dedicado à Educação Infantil.

(Arquivo próprio)

 A primeira escola

A primeira escola, pela manhã, se tratava de um belíssimo sobrado. Também mantinha a mesma estrutura de paredes envidraçadas.

Como era um sábado, não veríamos alunos. O primeiro momento foi dado à visitação e em seguida mais palestra.

Além de mais uma vez chamar a nossa atenção o mobiliário, o que ganha destaque também são os materiais utilizados. Não vemos jogos ou brinquedos convencionais. Raramente alguma coisa do tipo. Mas sim objetos que permitem o uso da imaginação para a construção de seus próprios brinquedos ou trabalhos.

Inúmeras caixas acondicionam pedaços de canos, junções, peças de rosquear. Peças de encanamento hidráulico mesmo. Brinquei com algumas colegas que a próxima compra que eu faria com meu filho no Natal seria na loja de materiais de construção.

Em um dos espaços, uma construção de uma torre. Peças empilhadas. Segundo a monitora tratava-se de um trabalho realizado por crianças de 3 anos de idade sobre edificações. Testavam sustentações e pontos de equilíbrio.

Uma sala com muito papel, onde inclusive a experiência de rasgar papel tem seu sentido pedagógico.

Uma espécie de álbum feito pela própria família traziam fotos de vários momentos da criança com seus parentes. Serve para o “conforto” das crianças.

Todos os dias naquela escola são reservados a primeira hora do dia para a entrada dos pais e mães. Não é o objetivo central conversar com a Maestra, mas sim para que as crianças mostrem o que andam fazendo, ou mesmo para se divertirem com os pais. Nem todos os pais fazem isso, mas faz parte da proposta defendida da equipe pedagógica da Casa Amarilla.

Ali a ideia dos projetos como norteadores também se faz presente e em destaque em cada espaço.

Dentre o mobiliário, um que ganha certo destaque é a “mesa iluminada”. Trata-se de uma mesa com tampo de vidro jateado, com uma iluminação vinda por baixo. São depositados sobre seu tampo iluminado diversos objetos coloridos com transparência para que as crianças percebam a influencia da luz sobre elas. Papeis celofane também são utilizados e também sobrepostos para diversas experiências. Até um antigo retroprojetor ressurge para esse tipo de atividade, projetando na parede um “show de cores” com pecinhas plastificadas (tipo gel) coloridas.

As imagens abaixo não se referem às mesas da Casa Amarilla, mas sim obtidas na internet para exemplificação:

Segue um site de tutorial de como é construída essa mesa: https://www.estoreta.com/2017/01/11/diy-mesa-de-luz/.

Em Reggio Emilia existem registros de que as construções dessas mesas são feitas pelos próprios pais.

A palestra com a diretora foi ministrada explicando essas ações destacadas acima.

Uma das questões colocadas era como ser professor ali?

Eles distribuem os professores, ou melhor dizendo, as Maestras em trios. Cada uma de certa forma com um grau de experiência, mantendo-se uma delas como a “mais avançada” diante da proposta pedagógica. Cada nova Maestra passa por uma série de entrevistas, realização de atividades, um período de sua experiência com esse “par avançado”.

Questionei sobre qual seria o primeiro passo para a introdução dessa proposta nas escolas públicas? Ao que me foi respondido que primeiro se passaria pela aceitação da Direção da escola. Depois, passo a passo, junto à equipe pedagógica e professores.

A segunda escola

Na parte da tarde fomos até outra unidade da Casa Amarilla. Também localizada em bairro nobre de Miraflores, agora não mais um sobrado, mas uma casa térrea. Não pudemos entrar nas salas, pois estavam preparadas para receberem os alunos na próxima semana. Porém, como mantém suas paredes de vidro, pudemos mais uma vez observar a mesma organização das demais escolas.

Também fomos recebidos para mais palestras.

Fizemos uma vivência dividida em grupos. Não havia um direcionamento objetivo. Ou talvez, não objetivo aos nossos moldes, pois a proposta consistia na intervenção criativa com os materiais ali disponíveis.

(Arquivo próprio)

Depois nos foram entregues materiais para registros. Deveríamos planejar quais materiais precisaríamos para fazermos uma atividade, qual seria, qual sua relevância etc. Não sei se a comanda não foi muito clara, ou se estávamos passando justamente pela barreira em como planejamos nossas atividades costumeiras e agora vivendo um confronto claro diante daquela proposta. Como não houve um fechamento dessa atividade e voltamos para uma última palestra, restou essa dúvida.

Considerações finais

Muitas questões devem ser levadas em consideração ao analisarmos práticas, ainda mais quando estamos diante não só de uma cultura diferente, mas acima de tudo de concepções diferentes.

O que lemos sobre Reggio Emilia, até porque já foi alvo de Concurso Público na cidade de São Paulo, nos faz acima de tudo revisitarmos nossa prática educativa.

 Quando trabalhei no CEU Campo Limpo[9], desde sua inauguração, podemos constatar uma certa semelhança em sua arquitetura: salas com grandes vidraças, espaços coletivos, tais como a sala dos professores, secretaria etc.

Não demorou muito para que, em nome da privacidade, cortinas fossem instaladas, divisórias fossem colocadas em vários espaços nas escolas do CEU. Eu mesmo fiz isso na EMEI[10] em que trabalhava. Não havia nenhuma formação do “porquê” de tais espaços amplos, coletivos.

Em nome do “sol” talvez se justificassem as cortinas, mas e quando não reflete a luz do sol no interior das salas? Por que as cortinas permanecem fechadas?

Uma vez, visitando outro CEU (Cidade Dutra), me veio a resposta! Estava dentro da Sala de Leitura da EMEF[11]. De lá avistávamos as piscinas. Havia um professor dentro da piscina acompanhando um aluno com Síndrome de Down. Naquele momento me vi tendo uma das melhores aulas sobre Inclusão. Ninguém precisava me falar o que era pra fazer, ou o que era possível fazer. Talvez ali não tivesse nenhum livro tão claro sobre isto.

Ainda a tempo de revisitar minha prática, compramos um playground que foi colocado no pátio da EMEI. Uma professora veio me alertar que tinha uma mãe de aluno do CEI[12] dentro da piscina de bolinhas com seu bebê.

Vamos fazer uma análise do que possivelmente estivesse na “cabeça” da professora.

Ela tinha achado um absurdo, talvez até uma invasão, pois a “mãe (de aluno) nem era da EMEI”. E era para eu ir lá retirá-la da piscina de bolinhas.

O segundo alerta é que tinham alunos da EMEF pegando as tais bolinhas.

Da primeira vez (mãe na piscina) apenas sorri para a professora, dizendo que aquele momento era ótimo!

No caso do aluno com as bolinhas acreditei que quem tinha uma questão a resolver seria a própria EMEF, por não proporcionar atividades lúdicas com seus meninos e meninas. Nem considerei o “furto” das bolinhas. Compramos mais…

Depois disso, fui para uma EMEF em outra localidade. Foram tantos projetos (Período Integral) que em dado momento uma funcionária da secretaria me cobrou uma lista dos alunos com os horários das atividades, pois não paravam de chegar crianças querendo entrar na escola. Claro que seria importante a tal relação de atividades. Também, por motivos de segurança, não podemos deixar entrar pessoas estranhas ao ambiente. Mas a verdade é que conhecíamos os alunos. Sabíamos da diversidade de atividade e multiplicidade de horários. Seria mais fácil, sabendo quem era o aluno, até porque chegavam na maior parte das vezes em grupos, liberar o mais agilmente seu acesso para a escola, do que procurar nomes nas listas logo no portão de entrada.

Alguns alunos até ficavam além do horário. Quando você ia ouvir sua história era porque pra ele não compensava voltar pra casa quando encerrava a atividade, pra depois voltar para a aula, já que nem todas as atividades eram subsequentes.

Aí vem a pergunta: qual é sua concepção ou o que diz o bom senso?

  • Melhor ele voltar pra casa?
  • Melhor ele esperar na rua?
  • Ou como já vimos acontecer, melhor ele nem voltar?

Se existe espaço na escola, se existe tranquilidade para que ele fique dentro da escola, ou seja, não está prejudicando o andamento das atividades, que mal há nisto?

Depois temos que nos preocupar no por que os alunos não conseguem ficar horas e horas sentados e enfileirados nas salas de aula. E mesmo ainda nas séries iniciais.

Veio então a ideia tanto da construção de um playground na primeira EMEF e de uma brinquedoteca em outra que trabalhei alguns anos depois.

Mal saí dessa primeira EMEF e o playground foi desmontado, sob a desculpa de problemas com gasto em sua manutenção e da necessidade de mais espaço para atividades de Educação Física. Já na segunda, notamos certa resistência até mesmo do grupo de professoras em utilizar a brinquedoteca.

Essas e outras tantas passagens nos fazem refletir que nossa inquietação tem um sentido de ser. Ou ao menos, em algum lugar, isso deve acontecer de outra forma.

Não são poucas as vezes que notamos colegas educadores de trabalho se referirem aos alunos como não capazes de realizarem determinadas atividades. Ou que deixam de fazer determinadas atividades por falta de estrutura ou outro motivo qualquer.

Sim, é verdade que em Lima nos deparamos com escolas particulares, razoavelmente caras e longe do acesso das classes sociais menos empoderadas economicamente. Mas isso não justifica fazermos um trabalho tão “engessado” e tão automático, de forma que as coisas aconteçam não em nome do ato educativo.

Muitos dizem que lecionam da forma como foram educados. Claro que provavelmente não experimentaram outra proposta educativa e que a leitura em si que fazem de outras propostas, tais como da linha montessoriana, Escola da Ponte, ou da própria Reggio Emilia, não fogem do campo abstrato em vislumbrar a Educação.

O que convido a cada leitor é apenas a questionar cada prática que adotamos em nosso sistema educacional. Não há uma obrigatoriedade através desta discussão em se adotar qualquer outro sistema. Mas em refletir sobre a prática.

Algumas inquietações, principalmente se levarmos em conta o contido na LDB[13] sobre o desenvolvimento da cidadania e qualificação ao mundo do trabalho, nos devem fazer (re)discutir nossa prática pedagógica e responder a simples perguntas:

  • Nossos alunos das escolas públicas são capazes ou são vítimas da sociedade e por isso não é possível acreditar que são capazes?
  • A aula expositiva é a única ou a melhor forma de lecionar?
  • Os alunos podem ser responsáveis pelo seu processo de aprendizagem?
  • Apenas sobre a estratégia de matérias é que podemos aprender?
  • Trabalhos em grupos são típicos em EMEI, já que lá temos mesas redondas com cadeiras ao redor, e na EMEF a escola necessariamente tem que respeitar a organização de salas com fileiras?
  • Alunos indisciplinados devem receber tratamento diferenciado e por outro profissional, não sendo possível se tratarem dos assuntos de conflito em sala de aula como parte do aprendizado?
  • Todos os alunos devem fazer as atividades no mesmo momento, dada a grande quantidade de alunos em sala de aula?[14]

Essas são algumas questões que podemos levantar com nosso grupo, tanto para que busquemos novas formas de trabalho, mas também para que justifiquemos que a nossa melhor forma ou a mais adequada.

[1] A viagem se deu entre os dias 2/11/2017 a 5/11/2017.

[2] http://www.dialogosviagenspedagogicas.com.br/

[3] Correspondente ao Ensino Fundamental I do Brasil e que encerra no 5º ano.

[4] http://colegioaleph.edu.pe

[5] Neymar da Silva Santos Júnior, mais conhecido como Neymar Jr. ou Neymar  é um futebolista brasileiro que atua como ponta-esquerda. Atualmente defende o Paris Saint-Germain e a Seleção Brasileira. (fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Neymar)

[6]  http://colegioaleph.edu.pe/wp-content/uploads/2017/08/REGLAMENTOINTERNODEESTUDIOS19012016.pdf

[7] Obs: Não podemos esquecer que algumas comparações devem ser vistas com ressalvas, dadas as legislações de cada País.

[8] Bairro situado em Lima/Peru.

[9] Centro de Educação Unificado. O CEU consistia na junção das Secretarias Municipais de Esporte, Cultura e Educação. Esta última abrigava as três modalidades de escolas, ou seja, CEI, EMEI e EMEF.

[10] Escola Municipal de Educação Infantil.

[11] Escola Municipal de Ensino Fundamental.

[12] Centro de Educação Infantil (antigas creches).

[13] Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira (LEI Nº 9.394, DE 20 DE DEZEMBRO DE 1996). Em seu artigo 2º destaca que a “educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.” (grifo meu).

[14] Boa parte da reclamação e também reivindicação sindical se passa pelo elevado número de alunos em sala de aula.

 Rodrigo Machado Merli é Pedagogo, Advogado Criminalista, Pós graduado em Didática do Ensino Superior, Diretor de Escola (Prefeitura de São Paulo).
Professor e Coordenador de Cursos Preparatórios