Uma oferta infinita

Ainda sobre o tema da importância da exploração na construção das aprendizagens, na condução dos cotidianos e na valorização da infância, não poderíamos deixar de refletir sobre a força e a riqueza da natureza e seus elementos.

Imagine o quão rica é a oferta da natureza para a culinária, para a farmacologia, e até mesmo para as possibilidades mais lúdicas como a simples contemplação. Da mesma forma esta infinidade de possibilidades se estende às propostas de exploração livre.

Certamente sabemos das limitações encontradas nos espaços urbanos, especialmente das escolas localizadas nos grandes centros. Nestes locais, o quão raras são as árvores e os chãos de terra ou grama, tão raras também serão as ofertas.

Entretanto, quando educadores mais atentos estão com seus olhos abertos para ver, as oportunidades de melhor aproveitamento dos espaços, a conservação sempre que possível de pequenos oásis verdes, a preservação das árvores ainda existentes, ou o plantio de pelo menos uma espécie, podem ser um diferencial.

O importante é reconhecermos a força dos elementos naturais como uma fonte inesgotável de possibilidades de exploração. Vale lembrar que quando uma criança se concentra num elemento natural, como um pequeno inseto, uma pedra ou um simples graveto, existe uma integração ancestral entre eles e não importa mais a grandiosidade de absolutamente nada ao seu redor. 

Sua atenção ao objeto, o desvendar de sua textura, odor e as relações que se formarão entre eles, quer pelo caráter real, quer pelo que a imaginação infantil poderá criar e desenvolver, é que determinará o seu valor e sua raridade.

A natureza e as grandiosidades

Em absoluta relação de proporcionalidade, quanto mais rico for um espaço de possibilidades de encontros com elementos naturais, também maiores as ofertas de exploração. E não estamos falando necessariamente das escolas rurais, ou daquelas que tenham bosques e florestas disponíveis (ainda que isso seja muito desejável).

Nossa proposta é especialmente focada na “disponibilidade”. Infelizmente, sabemos que estes espaços mais ricos em ofertas naturais, em sua grande maioria, não fazem o melhor uso deles. Não é raro encontrarmos escolas com suas crianças fechadas em sala de aula, enquanto seus jardins e bosques são “varridos” e “rastelados”. 

Então, que tal olharmos para isso com alguma generosidade? Que tal visitarmos os parques de nossa cidade com nossas crianças com uma postura mais permissiva? As praças próximas ao nosso local de trabalho ou moradia? Permitir a exploração das coisas grandes como um gramado que pode parecer enorme na medida em que puderem correr, uma árvore que parecerá frondosa quando se puder escalar?

Tanto os corpos podem se entregar a uma exploração física dos espaços, como também a imaginação é capaz de se aventurar em explorações imaginativas, a partir da contemplação que lhes permitimos aos olhos. 

Vale lembrar o quanto já imaginamos voar por sobre as copas das árvores, ou por entre vales e montanhas. Estas são espécies de exploração que só são possíveis a partir de estímulos visuais e de uma exposição temporal mais longa, que seja minimamente tranquila e sem, ou ao menos com pouca interferência externa.

A natureza e as miudezas

Se você pensa que apenas nas grandiosidades da natureza é que podemos encontrar boas ofertas de explorações, você está muito enganada. Uma pequena folha seca caída de uma árvore pode trazer consigo uma capacidade enorme de exploração.

Isso é muito facilmente constatável em ação prática com as crianças. Experimente recolher em uma caixa de papelão algumas folhas de árvores, pequenos gravetos, pedacinhos de tronco de árvores, pedras de rio. Leve-os para as crianças e simplesmente disponibilize-os a eles.

Esta relação de ancestralidade que resgata a relação tão íntima entre os seres vivos e a natureza provoca uma atração quase que unânime entre as crianças e estes elementos (salvo os tristes casos em que já foram orientadas a reconhecerem elementos naturais como lixo, ou como algo que não devam tocar).

Com o passar do tempo e com as atribuições que a vida moderna nos impingiu, gradativamente perdemos a capacidade de olhar as coisas com olhos de quem quer ver. Em geral sequer as vemos ou, quando vemos, não nos permitimos aos fascínios que as pequenas coisas poderiam nos proporcionar.

Mas onde há olhos que veem a vida, há muito mais vida!

Mas acredite, esta condição de cegueira parcial a que nos submetemos não precisa ser algo definitivo em nossas vidas. Estarmos refletindo sobre estas possibilidades de explorar as possibilidades de nossas vidas, sejam em ambientes preparados ou naqueles mais naturais, já estaremos a caminho de dias melhores.

Exercitar nosso olhar para aquilo que não vemos mais, para as miudezas que de alguma forma vemos, mas nos afastamos das sensações que elas poderiam nos provocar, ou mesmo para vermos aquilo que jamais vimos, pode nos trazer de volta à vida.

Revisite aquela árvore que um dia lhe deu colo e sombra. Se ela não estiver mais disponível, se entregue ao colo e as frescor de uma nova oportunidade. Aproxime-se daquilo que aparenta ser desimportante, como o trajeto de uma pequena formiga que carrega seu alimento.

Promover este reencontro com as coisas da natureza vai aproximá-la do “ser vivo” que você é. Muito menos para o “ser”, e muito mais próximo do “vivo”. 

E quando ouvirmos a frase: “VIVA A NATUREZA”, que este VIVA seja verbo!

Viva intensamente a natureza!!