Em muitos encontros entre educadores, com famílias e comunidades, assim como em diferentes textos, temos reiteradamente proposto um diálogo que faça ressurgir a poética do princípio, não apenas com a significação de começo, mas também como fundamento, sentido, razão de ser. Na educação das crianças, essa poética nos inspira a conhecer e reconhecer aspectos primordiais da infância, religando o que ensinamos e o que aprendemos com ela, como uma maneira fecunda de honrar a criança, e também de despertar em nós, adultos, o desejo de recomeçar, de salvar o presente e a vida futura.

Levando em conta essa concepção de poética do princípio, apresentamos a seguir uma síntese retrospectiva de considerações que temos feito para a escuta das crianças, e que reunimos na apresentação de um livro para a primeira infância – No Reino dos Bichinhos, a ser publicado brevemente pela Editora Passarinho.

Cada vez mais cresce o reconhecimento de que é primordial contar e ler histórias para as crianças, desde o seu nascimento. Na verdade, desde a gestação.

A criança nunca esquecerá a música dessas vozes que se tornam parte de seu corpo e de sua memória, assim como substância da imagem do mundo, de si mesma e dos outros, que essa criança vai constituindo ao longo da infância, dimensão da vida humana.

Cresce também a consciência da necessidade que a criança tem de contato vivo com a natureza, diretamente, e também indiretamente, com símbolos que tornem presente essa relação vital.

Os rituais de contar e ler histórias, e de brincar criadoramente com elas, assim como a convivência com a natureza, muitas vezes despertam nas crianças novas imagens poéticas e indagações filosóficas.

Como pequenos poetas e pequenos filósofos, criam comparações e metáforas, descobrem semelhanças e correspondências raramente percebidas pelo olhar adulto.  Ao mesmo tempo, fazem as perguntas primeiras, as indagações que estão na origem da filosofia. É importante registrar essas imagens e essas perguntas. Mais tarde, esse tesouro poderá ser ofertado à criança, como parte do livro de sua vida.

Existe uma poesia natural da infância.

A criança vive poeticamente. Pensa e se expressa por sentimentos e por imagens.

Para ela, observação e imaginação nunca se separam. Em sua visão animista e mitopoética, todas as coisas têm alma, têm voz. A criança conversa com elas, vive imaginariamente suas vidas, com alta empatia.

A criança vê com olhos novos, olhos livres, olhos próprios – o olhar de primeira vez. Faz ao mesmo tempo a descoberta do mundo e a descoberta da linguagem. 

É preciso acolher e cultivar essa poética do princípio, que nos aproxima dos sentidos nascentes. Esses sentidos nascentes nos inspiram e nos ajudam a permanecer vivos, a criar caminhos fecundos na relação com as crianças e com nossa própria existência.

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