– Escuta aqui!!

– Deixa eu te falar uma coisa…

Quantas vezes iniciamos uma conversa a partir destas duas frases? Mesmo que seja óbvia a relação entre a fala e a escuta. Por qual motivo fazemos uso destas expressões iniciais? Porque em algum momento de nossa existência desconectamos desta relação entre o dizer e o ouvir com atenção.

Há algumas centenas de anos os índios norte-americanos desenvolveram um mecanismo para promover esta reconexão. Nas rodas de conversas era adotado um pequeno bastão que representava o poder da fala. Estando em sua posse, o orador tinha a liberdade de se expressar sem ser interrompido.

Terminada sua fala, o bastão era entregue ao próximo orador e, com ele, o igual direito de manifestar-se oral e livremente. Algumas tribos se utilizavam de objetos diferentes: uma pena de pássaro, um cachimbo, um colar ou qualquer objeto que pudesse simbolizar o direito à fala. 

Quem pode falar?

De acordo com esta regra quase milenar, pode falar quem estiver de posse do bastão da fala. Desta forma, fica assegurado o direito de expressar sua opinião e elucidar suas razões para suas conclusões. Até as relações jurídicas adotam a prática por intermédio do direito ao contraditório.

Mesmo nas relações comerciais isso é muito interessante, e vem ganhando cada vez mais espaço. Muitas empresas já adotam espaços de expressão para seus consumidores com a criação do que chamamos de “fale conosco”.

A ideia central é a de que quanto mais vozes forem ouvidas, maior será nossa aproximação com as pessoas, com seus pensamentos, com seus desejos, com suas necessidades e desta forma podemos nos aproximar das melhores soluções para todos.  

O que pode ser dito?

No pleno exercício de seu direito de fala, aquele que está na posse do bastão pode dizer o que desejar. Desde expressar seu inconformismo, contrapor alguma ideia, até mesmo para concordar ou endossar algo que tenha sido dito por outra pessoa.

Naquelas tribos, alguns adereços enfeitavam o bastão da fala para lembrar a todos que, em que pese a liberdade no falar, as palavras precisariam ser ditas com o coração, de forma sincera e direta, mas sem ferir os outros participantes, porque demonstraria não ser digno da honra entregue pelo bastão da fala.

Ou seja, de forma educada e respeitosa, tudo poderia ser dito.   

O bastão da fala nas escolas

Esta prática pode ser adotada nas escolas, em qualquer tempo. Seja nas rodas de conversas, nas de leitura, nos debates ou nas reuniões, é possível e saudável a adoção deste modelo. É uma forma de organizar as falas, e muito mais.

Vivemos num mundo onde as relações estão cada vez mais distantes, quer pela velocidade das informações vindas do mundo digital, quer pelo volume delas e a forma como chegam até nós. Em geral, escolhemos uma ou outra pessoa para ouvir e simplesmente silenciamos as demais.

Certamente há momentos em que aquilo que ouvimos já foi escolhido anteriormente: um curso que nos matriculamos, uma palestra, uma aula. Quando nos inscrevemos, estamos entregando o bastão da fala para aquele que desejamos, por livre iniciativa, ouvir. Nestes casos, já conhecemos o assunto e muito possivelmente será um processo agradável.

Mas o exercício mais interessante é dar voz àqueles que, em geral, não a tem. Existem muitos lugares onde há apenas o exercício da fala livre apenas para alguns, formando um debate uníssono. E acredite: há escolas onde a escuta só se destina ao silêncio.

Assim, uma forma de dar início à escuta a que tanto prezamos, o bastão da fala pode ser uma excelente forma de aproximar-se de outras vozes, outras visões de mundo e de conhecer outras soluções para os problemas.  

Um exercício para todos

Para as crianças e jovens, uma forma de construir o respeito pela opinião divergente, uma excelente maneira de construir saberes a partir dos saberes do outro, conhecer melhor a si mesmo e sua forma de interagir no mundo por intermédio de suas palavras. 

E nós, educadores, teremos a possibilidade das mesmas aprendizagens. Quando entregamos o bastão da fala estamos dando o primeiro passo para o desejado protagonismo das crianças. Permitir que se expressem sem constrangimento é uma das mais puras formas de escuta legítima.

Mas é sempre bom lembrar que não é suficiente darmos voz para que a lancem ao vento. A escuta tem a ver com a conexão entre a compreensão, a interpretação, a reflexão e o respeito. Nós só podemos ser convencidos por algo dito por alguém se dermos a ela este conjunto completo de escuta atenta.

Estamos muito acostumados com o bastão em nossas mãos. Quem sabe não seja hora de aprendermos a entregá-lo? Será que estamos prontos para vivenciar a escuta? Sim, estamos. A construção das relações entre todos: adultos e crianças, professores e estudantes, pais e filhos, aliados e adversários, passa necessariamente pelo diálogo. Não há exceção.

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