As experiências auditivas que ecoam em nós

Qual é o som que remete você à sua mais remota infância? Ainda lembra?

A audição é um de nossos sentidos e assim como todos os outros tem importância fundamental nas aprendizagens, nas comunicações, na construção das nossas interações sociais.

Sendo assim, carrega também em si a capacidade de provocar e marcar espaço em nossas memórias afetivas e, portanto, interagir direta e significativamente em nossas emoções. A decodificação das vibrações sonoras é conduzida diretamente ao nosso cérebro e nos provoca as mais variadas sensações, mesmo quando adultos.

Os primeiros sons da infância

De acordo com as ciências médicas, nossa capacidade de captar sons se inicia na 21ª semana de gestação, algo em torno do quinto ou sexto mês de gravidez, e vai se aperfeiçoando até completar a formação no exato momento de nosso nascimento, quando os primeiros movimentos respiratórios expandem a cavidade auricular com a passagem do ar. Mais um dos espetáculos da vida.

Neste momento, os primeiros sons a que fomos expostos são o pulsar do coração materno daquela que nos ansiava, o movimento de seus órgãos internos a trabalhar em favor de nossa alimentação e o sinal de sua voz abafada pelo líquido amniótico.

Se você pensa que não se recorda deles, experimente deitar-se no colo de sua mãe, caso a vida ainda lhe permita. Escute ao menos as batidas de seu coração, que é ainda aquele mesmo que lhe nutriu de vida. 

Quem de nós não guarda o som da voz de quem amamos e a segurança experimentada ao ouvir”…”deite aqui comigo…”. A emoção experimentada será a prova de que aquele som ainda vive em você, e feliz de quem tiver esta oportunidade.

Os sons da vibração da vida.     

Os sons e as provocações emocionais

Na sequência natural de nossas memórias auditivas, as cantigas de ninar que soavam aos nossos ouvidos como um bálsamo acalentador. E não importa qual música era entoada, ou seu ritmo, ou se apenas murmurada. A experimentação de afeto e segurança se estabelecia no vibrar de nossos tímpanos associando-as a este momento de tanto amor.

Ssssshhhhhh…” a nos convocar ao silêncio;

“Hum hum…” a nos impor limites;

“Eeeeeeee…” a nos estimular.

Não são palavras, são apenas sons nos quais fomos capazes de identificar sentido. Mesmo antes de nossa capacidade de articulação de sílabas, palavras ou expressões, já havia uma conexão de comunicação a partir deste meio de expressão. 

O arrastar dos chinelos nos primeiros movimentos matinais da cozinha, anunciando a chegada de um novo dia, a colher a esbarrar em um bule de café, a água da pia aberta dando início aos trabalhos. Quem não se recorda?

Na diversão, outros sons

Os mais jovens devem se recordar da breve música executada quando do ligar do vídeo game, da abertura do desenho do “Pica-Pau” ou das outras séries infantis. Existe uma relação emocional de alegria e euforia que os acompanham.

Aí vem o Chaves, Chaves, Chaves….

Aos mais experientes a lembrança de “Vila Sézamo”, o brado longo e robusto de Tarzan ou o tinir da espada de Zorro a riscar em “Z” as calças do Sargento Garcia. Quem sabe o “realejo” tão comum nos antigos parques de diversão.

Sons do encher de bexigas e balões, pipocas a estourar em nossas panelas, carrinhos de rolimã a rabiscar asfaltos. As ondas do mar que insistem em permanecer dentro das conchas. O ronco dos motores dos carros que nos levavam em férias, chegando em nossos ouvidos pelos bancos dos carros onde ainda íamos deitados.

É fantástico…”

Até mesmo a abertura do programa de televisão que em nossa infância anunciava tristemente o fim do domingo. 

Quais sons estamos entregando?

Sabedores que somos desta relação estreita entre os sons e as construções emocionais, afetivas e sociais que eles representam, o quanto nos preocupamos com os sons que estamos disponibilizando para as nossas crianças?

O que ouvem a partir de nós que pode construir algo bom e prazeroso? Nossas vidas estão repletas de sons sob os quais não temos nenhum controle. Mas muitos deles somos nós os curadores.

Há de ter afeto em nossas vozes, há de ter respeito em nossos silêncios. Não bastasse a jovialidade e a consequente boa qualidade dos aparelhos auditivos das crianças, suas emoções estão com seus canais abertos para estabelecer conexões.

Suas memórias estão sendo preenchidas por tudo o que o mundo as entrega, especialmente aquilo que nós entregamos. Tudo fará parte de suas formações adultas e os remeterão às lembranças, boas e ruins.

Escute suas memórias….. escute…!!!